domingo, 3 de julho de 2011

Cracolândias, a hora das narcossalas

O Brasil continua mergulhado nas trevas e demora em adotar medidas eficazes para contrastar o fenômeno sociossanitário representado pelo crack, cujo consumo se espalhou pelas cidades brasileiras. Diante desse quadro, com prefeitos e governadores despreparados, o governo federal anunciou, em fevereiro deste ano, um acanhadíssimo projeto de centros regionais de referência, e isso para capacitar 15 mil profissionais de saúde em 12 meses.

O desatino maior deu-se na capital de São Paulo, onde o prefeito Gilberto Kassab já promoveu, com o auxílio da polícia, a internação compulsória de usuários frequentadores da Cracolândia, localizada na degradada zona central. Depois de obrigados a se desintoxicar em postos de saúde, os dependentes voltaram rapidamente à Cracolândia para novo consumo. Quanto à polícia paulista, revelou-se incapaz de interromper a rede dos seus fornecedores de crack.

No momento, Kassab pensa em uma segunda overdose de desumanidade, e o Rio de Janeiro, com falso discurso humanitário, repete, em essência, a fórmula piloto do alcaide paulistano, ou seja, internações compulsórias para desintoxicação. Kassab vem sendo contido pelo secretário para Assuntos Jurídicos, que parece ter percebido a afronta à liberdade individual, constitucionalmente garantida.

Como o prefeito sonha com a reurbanização do centro da cidade, os usuários de crack viram um estorvo para a concretização de sua meta. E quando colocada a Polícia Militar em ronda permanente pela Cracolândia, os consumidores, em farrapos, migram para o vizinho bairro de Higienópolis, tido como aristocrático. Kassab sofre, então, a pressão de uma classe social privilegiada, que não suporta nem estação de metrô no bairro, por entender inconveniente a presença dos não residentes. Mais ainda, muitos higienopolistas reagem, quando topam com um drogado, como a desejar uma solução tipo Rio Guandu, época do governo Carlos Lacerda no Rio.

Diante das multiplicações das cracolândias, o governo federal tarda em ousar e partir para a adoção de narcossalas, também chamadas de salas seguras para consumo. Até o Nobel de Medicina, Françoise Barre Simousse (isolou o vírus HIV-Aids), preconizou a adoção de narcossalas na França, em face da resistência do direitista presidente Nicolas Sarkozy, que prefere a cadeia para os usuários, como FHC e Serra nos seus governos.

A respeito, o Conselho Municipal parisiense tenta derrubar a proibição de Sarkozy e está pronto para implantar uma narcossala piloto em Paris. Para os membros das respeitadas e francesas Associação Nacional para a Prevenção do Álcool e das Dependências (Anpaa) e Associação para a Redução de Riscos (AFR), a “história epidemiológica e a experiência clínica demonstram que o projeto de uma sociedade sem consumo de drogas é ilusório. As posturas proibicionistas e repressivas são inócuas-. Isso porque a cura raramente se dá apenas com a abstinência”. A abstinência, frisaram, causa exclusão. Ou seja, afasta dos sistemas de proteção e de acompanhamento uma parcela frágil e frequentemente marginalizada de consumidores- de drogas.

Barre Simousse recomenda a adoção da política de Frankfurt implementada em 1994, ao enfrentar o problema representado por 6 mil drogados que vagavam pelas ruas. A experiência espalhou-se por outras oito cidades alemãs e vários países-, como Suíça e Espanha, aderiram aos ambientes fechados de consumo. Nos EUA, existem salas seguras para uso de metadona, droga substitutiva à heroína.

Com as narcossalas de Frankfurt, o número de dependentes caiu pela metade até 2003. Os hospitais e os postos de saúde, antes delas, atendiam 15 casos graves por dia, com um custo estimado de 350 euros por intervenção.

O sistema alemão de Frankfurt oferece acolhida aos que vivem marginalizados e em péssimas condições de saúde e econômicas. Sem dúvida, virou uma forma de aproximação, incluindo cuidados médicos, informações úteis e ofertas de formação profissional e de trabalho. Nas oito cidades alemãs e entre os usuários dos programas de narcossalas, caiu o índice de mortalidade em virtude da melhora da qualidade de vida. -E pesquisas anuais sepultaram a tese de que as narcossalas poderiam estimular os jovens a ingressar no mundo das drogas.

As federações do comércio e da indústria alemãs apoiam os programas de narcossalas com 1 milhão de euros. E ninguém esquece a lição do professor Uwe Kemmesies, da Universidade- de Frankfurt: “Podemos reconhecer que a oferta de salas seguras para o consumo de drogas melhorou a expectativa e a qualidade de vida de muitos toxicodependentes que não desejam ou não conseguem abandonar as substâncias”.

Fonte:http://www.cartacapital.com.br/politica/cracolandias-a-hora-das-narcossalas

Um comentário:

  1. Matéria interessante essa meu caro. Não adianta colocar os caras em clínicas para uma pseudo desintoxicação, e depois os caras voltarem para as ruas e continuarem a se drogar. Esse tipo de confronto é oneroso e desnecessário, acho que em áreas em que ocorre uso contínuo de drogas o policiamneto deveria ser reforçado para garantir o bem-estar das pessoas que por lá passam. O que tem que ser feito de fato é combater o tráfico de drogas nas fronteiras pois é por lá que as drogas chegam. Quando em território brasileiro, elas se espalham de forma rápida e fica mais difícil o controle. Controle nas fronteiras é essencial. Outro ponto importante é uma punição mais dura para os chefes do tráfico pois muitos deles continuam a comandar essa tragédia social de dentro das cadeias sem muitos problemas. Até parece que os traficantes estão mais seguros lá dentro enquanto nós estamos á deriva aqui fora. Tem que endurecer contra esses caras, se for preciso cortar qualquer tipo de contato a não ser com os advogados, em períodos espaçados. Pode ser contra os direitos deles mas acaba sendo um mal necessário, pois esses traficantes não estão nem aí para o mal que estão fazendo á sociedade, pelo contrario eles riem da situação pois sabem que não há punição rígida contra eles. Pessoas estão morrendo, famílias estão sendo destruídas enquanto esses monstros estão nas cadeias falando ao celular, assistindo televisão, ouvindo músicas e rindo de tudo. Quanto as narcossalas, acho que deveria ser tentado aqui visto que nenhuma das tentativas das "autoridades" mostraram resultados. Mas esse novo método deve ser avaliado para ver se os resultados são bons para aqui pois se trata de um povo de cultura diferente. O fato é que algo deve ser feito pois a situação já passou do suportável. O problema é que estamos nas mãos de representantes corruptos, incapazes e sem compromisso com o povo. Aqui cargo não se dá por merecimento e sim por indicação. Essa estratégia justifica a quantidade de decisões no mínimo equivocadas que acontecem a cada dia, projetos descabíveis gerando gastos desnecessários. Abraços

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